Tito Rosemberg nos conta um pouco da sua vida sobre as rodas num bate-papo descontraído cheio de dicas e inspiração para você cair na estrada!

Fotos: arquivo pessoal Tito Rosemberg / Fotos: gentilmente cedidas por Claudio Larangeira

Ele rodou a Europa nos anos 60 num Austin mini, morou dentro de uma Kombi na Califórnia junto da comunidade hippie, morou em um barco no Amazonas, viajou a África nos anos 70 sozinho num Land Rover pelos países da Libéria, Mauritânia e Marrocos, participou do Camel Trophy, foi um dos primeiros surfistas a desbravar o litoral do Rio de janeiro, influenciou toda uma geração de aventureiros e viajantes pelo Brasil.

Os novos viajantes são os hippies de antigamente?

O mito do viajante hippie já foi desmistificado a muito tempo, com gente como o casal Shurmann que glorificou essa coisa de dar volta ao mundo, eu acho que mais de 90% dos viajantes que eu acompanho são profissionais que resolveram dar um tempo 2 a 3 anos para fazer isso, entretanto nenhum deles continua nessa vida (estilo) após o retorno. Interessante que eu busco encontrar pessoas que continuam nessa vida full time, são raras essas pessoas que vivem na estrada, isso é aventura!

Hoje em dia a internet permite que as pessoas trabalhem de dentro dos seus carros, em movimento, sem endereço fixo, está tendo uma revolução nesse sentido, uma mudança de comportamento que não ocorria desde o Surf. Voce acha que existe esse paralelo?

Sim, eu concordo, a primeira vez que vi um cara pegando onda eu disse: “Isso é incrível eu quero fazer a mesma coisa” poucos tiveram essa visão, porque poucos pegavam onda no Arpoador e zero em outros lugares do Brasil, talvez em Santos um ou outro mas como estilo de vida foi no Arpoador e poucas pessoas viram isso e quem viu entrou para o surf. Hoje a internet está permitindo que as pessoas criem coragem, tem acesso a informação, hoje não tem menos de 100 brasileiros dando a volta ao mundo, então as pessoas estão ai rodando em quantidade e profusão, isso vaza e estimula, é verdade que paralelo a isso surgiu o trabalho on-line que mudou a vida de todo mundo dando mobilidade para todos.

Você concorda que viver na estrada custa menos?

Em casa temos o apelo consumista, a sua vida é trabalhar e que na maioria das vezes é uma atividade que as pessoas não gostam e depois sair, ver os amigos, viajar nos finais de semana e isso custa dinheiro, acabam ficando escravos do sistema. Então o cara descobre no momento que ele entra nessa vida alternativa de “viajante” de um Overlander ele vive com muito mais simplicidade e muita gente tem dito isso que gasta muito menos na estrada do que em casa, principalmente se você for uma pessoa consumista. A minha sorte foi essa, quando jovem queria ter tudo, quando eu descobri que tinha que trabalhar para ter isso tudo, eu disse: “ Basta uma Kombi”!

Imbituba 1973

“Mujica estava certo, ele diz que você não compra as coisas com dinheiro e sim com o tempo que você leva trabalhando para ter esse dinheiro.”

E como foi essa descoberta por este estilo de vida?

Eu dei a sorte ainda jovem de perceber que não queria esse caminho tradicional, não via futuro estudando, meus amigos indo fazer arquitetura, medicina, direito, etc.. eu não querendo fazer nada disso, queria ir pegar onda, então como fazer para só pegar onda? Não encontrava solução, vou fazer prancha, vou trabalhar. Em 1964 eu fui ser repórter jornalista, meu pai conhecia um pessoal na revista Manchete, consegui um trabalho por lá, foi o meu primeiro emprego. Mas antes disso já estava trabalhando fazendo pranchas e também fazendo artesanato para vender na praça General Osório, em 1962 com 16 anos, eu e um amigo queríamos comprar pranchas, nossos pais não queriam que fossemos surfistas, então demos esse jeito, nós fomos talvez os primeiros vendedores da feira hippie de Ipanema, naquela época não tinha mais ninguém vendendo artesanato, nós pegávamos os descartes (tocos) de madeira sempre Jacarandá das muitas marcenarias existentes em Ipanema, e fazíamos abotoaduras, recebemos uma encomenda de uma escola católica para fazermos cinquenta crucifixos que fazíamos com as madeiras e fios de cobre, eu percebi que isso ia dar mais certo para mim do que as carreiras tradicionais.

Primeira prancha feita em 1971

Em dezembro de 1968 quando teve o AI-5, eu resolvi viajar, ninguém me perseguia, a minha atividade política era mínima, fui embora para Londres. Tinha um amigo que havia ido para lá lavar pratos num restaurante e estava vivendo com isso, eu disse : “ Se ele pode eu também posso” então começou a minha vida de independência dessa maneira, indo atrás desse cara. Aí comecei a ganhar dinheiro e acabei ficando 26 anos fora do Brasil.

 

Nessa época que começaram as grandes viagens?

Não, levou bastante tempo, na realidade começaram as viagens automobilísticas, eu não queria viajar de avião, ônibus, trem pelas limitações que isso traz, então comecei a viajar de carro. Lavando os pratos juntei dinheiro e comprei um Austin Mini 850cc pequenininho, com ele juntei com mais três cozinheiros do restaurante e ficamos três meses viajando por toda Europa acampando, saindo de Londres fomos a Escandinávia, Turquia, Grécia e nos separamos em Barcelona. Foi aí que eu peguei o gosto pela “vida barata” não custava nada, nós cantávamos nas ruas fazíamos U$ 50,00 na noite, era como U$ 200,00 hoje em dia para ter uma idéia. Então acabamos a viagem com dinheiro. Fui para Biarritz, pois foi lá que vi as melhores ondas e onde fiz os melhores amigos até hoje!

Em seguida, 1970 voltei para Califórnia,  ainda queria pegar onda. chegando Lá a primeira coisa que eu fiz foi comprar uma Kombi. Eu estava pegando carona, um cara me pegou na estrada e perguntou se eu queria comprar a Kombi dele, eu disse que estava sem dinheiro, ele me perguntou quanto eu tinha, eu disse que tinha U$ 500,00, “então me dá os U$ 500,00” ele disse, não podia dar todo esse valor porque era tudo o que eu tinha, ofereci a ele U$ 300,00 e fechamos negócio.

Tito com a sua Kombi na Califórnia em 1970

Nessa Kombi eu morei quase 1 ano e ainda por cima na praia, naquela época haviam as comunidades hippies que moravam nos seus “campers” ultra-adaptados parados na praia e convivendo com essas pessoas eu percebi que havia esse estilo de vida “móvel” , os novos ciganos, cigano 2.0. Então entrei nesse estilo de vida que continua até hoje. “Passei 12 anos da minha vida vivendo em cima de pneus” foram 7 Kombis diferentes, passei 3 anos dentro de um Land Rover 109, quase 3 anos num Motorhome que eu parava nos fundos da casa de um amigo na Califórnia. Me lembro que fui convidado pra dar uma palestra no Brasil sobre Surfwear, na época me pagaram o que eu pedi e na volta comprei um Samurai e engatei ele no Motorhome, aí foi maravilhoso poder conhecer todos os parques nacionais com toda aquela infraestrutura

Você chegou a conhecer o Dorian Pascowitz na época em que estava morando com a família dele na Califórnia?

Eu não conheci o Dorian na época em que ele tomou essa decisão de morar sobre as rodas com a família inteira. Acabei conhecendo o Dorian depois que ele saiu do carro, na verdade ele viveu a margem da sociedade. Eu trabalhava para a Surf Magazine e conhecia todo o pessoal de lá em 1968 eu fiz a primeira matéria sobre o Arpoador para a revista, então conhecia todos os diretores, editores, mas não conheci o Dorian naquela época.

A Van de Dorian Paskowitz
Dorian e sua Surf Family

Qual foi a cronologia das viagens pela Africa?

Eu fiquei 11 anos nos EUA acabei casando com uma americana, peguei um green card e tive a oportunidade como muitos europeus fazem de ter um lugar para voltar e encher o cofre e poder viajar outra vez. Na realidade resolvi voltar para o Brasil para fazer prancha , viver do Surf e fui morar no Recreio dos Bandeirantes fazendo pranchas, naquela época por razões desconhecidas em 1971 tinha muita gente passando pelo Brasil viajando, Overlanders, Ipanema, Copacabana eram muitas vans de alemães, italianos, diversas nacionalidades e aquilo cortou o meu barato de fazer pranchas, eu queria viver daquele jeito!

Muito desses Overlanders dormiam na praia porque era mais seguro e eu passava por eles e oferecia minha casa para eles lavarem as roupas, então a minha casa passou a ser um ponto de referência para os viajantes que passavam pelo Rio de janeiro naquela época, um falava para o outro…

Numa dessas passagens, passou um cara com um Land Rover vermelho era um 109 de duas portas, ele queria morar no Rio e conseguiu um emprego, foi dar aula na PUC e a gente se via muito ele e o Land Rover dele.

Com o Jeep Willys desbravando as praias cariocas em 1966

Meu primeiro veiculo foi um Jeep Willys com ele desbravei várias praias como Saquarema e Búzios, então ficou evidente a participação do 4×4 na minha vida de uma maneira utilitária, para realizar os sonhos.

“Então fique de 71 a 74 fazendo pranchas e quando consegui juntar bastante dinheiro fechei a oficina vendi ela para o meu amigo Rico de Souza e comprei o meu primeiro Land Rover “pelo correio”! Eu escrevi para fábrica ela me mandou um catálogo e através dele escolhi toda a configuração que eu queria desde alternador ao tipo de banco que eu queria, tudo customizado. Fiz a relação de tudo o que eu queria no meu Land Rover e naquela época tinha dado a “fortuna” de U$ 3.000,00, guardo a nota fiscal dele até hoje”.

“comprei meu primeiro LAND ROVER pelo correio!”

No Senegal/Africa com o Land Rover 109 “comprado pelo correio”

O carro demorou 6 meses para ficar pronto, fui para Londres busca-lo na fábrica. Peguei o carro e com meia hora o primeiro defeito – “Land Rover”, acendeu a luz do freio, entrei na primeira cidade, achei uma concessionária, o cara disse que não sabia consertar aquilo porque só tinha nos carros para exportação, mas parece que o freio está bom, ele disse, vai em frente. Fui para Londres e equipei o carro todo com guincho, bagageiro, comprando tudo, gastei mais em acessório do que com o carro.

Tudo pronto para ir ao Marrocos, saindo da Inglaterra a caminho de Dover para pegar o ferry, a alavanca da transmissão se solta e eu fico sem marcha, consegui engatar um 2a e cheguei na cidade de Dover, fui numa autorizada e alavanca era para a esquerda e eles só tinham para a direita. Voltei de trem para Londres para buscar a peça, voltei para Dover o cara pegou a peça colocou no lugar, era para a direita também, ai eu não aguentei peguei a marreta do cara entortei para esquerda e fui embora!

Mauritânia com o doido fugido. A corda que o amarrava ainda presa no pé

No Marrocos eu aluguei a oficina de um carpinteiro e fiz um camper, coloquei armários, geladeira, cama, pias, etc, fiz tudo. Ai acabou meu dinheiro, voltei para a Europa deixei o carro lá, fui para os EUA e fiquei 6 meses trabalhando, juntei dinheiro e voltei.

Peguei o Land Rover e retornei para África, ali fiz Marrocos, Mauritânia, fui descendo, Sahara Ocidental, Senegal com todas as dificuldades, quando estava no sul do Marrocos teve uma invasão do Sahara Ocidental e tive que voltar para Espanha pegar um barco, ir até as ilhas Canárias e de lá para o Senegal para subir para a Mauritânia. Com esse Land Rover fiquei 3 anos, acabei cansando da brincadeira e vendi o carro na Libéria.

 

Com a polícia de fronteira. Mauritania 1975

E o 109 aguentou bem tudo isso?

Sim, nesses 3 anos eu rodei Senegal, Gambia, Costa do Marfim lá tive que trocar um rolamento porque no Mali as estradas eram tão ruins, acabei dando um salto com o carro todo carregado de 1m de altura numa vala, e quando fui dar uma olhada não tinha mais rolamento (esmagou) e empenou o eixo, tive que comprar um novo em Abidjan, na Costa do Marfim. Vendi o carro na Libéria 3 anos depois e na mesma hora o cara arrancou o teto, vidros e foi puxar tora na floresta.

Atolado na Mauritânia 1975

Como foi o encontro com o Kevin N. E o Craig Peterson para fazer aquela viagem que foi capa da SURFER Magazine?

Capa da revista Surfer Magazine década de 70

Eu encontrei com eles quando estava no Marrocos. Tanto eles como eu viajávamos procurando ondas então uma hora iríamos nos encontrar em alguma praia da vida. Eles estavam voltando da Libéria, e atravessaram o Sahara de taxi, eles com as pranchas chegaram no Marrocos. Encontrei com eles lá, estavam pegando carona e tinham sido expulsos da Kombi de um casal de australianos. Eles estavam perdidos numa praia e eu acabei convidando eles para continuar a viagem comigo que estava sozinho e tinha muito espaço, acabamos ficando amigos. Quando cheguei no Senegal o Craig que já tinha ido para a Califórnia voltou e começamos a viajar juntos e fizemos toda a Mauritânia.

Em 1974 com Craig Peterson na famosa foto que influenciou toda uma geração. Photo Craig Peterson

Após a venda do carro na Libéria eu voltei para o Brasil, não estava dando muito certo, e fui para a Califórnia novamente para morar noutra Kombi. “Quando a vida aperta o seu melhor amigo é a Kombi”. Ela é perfeita para uma vida monástica e na vida monástica a resposta sempre veio!

Você teve outros Land Rovers além desse 109?

Sim, a última vez que eu voltei ao Brasil foi em 2002 eu havia passado 7 nos na Europa com um Land Rover 110, com ele eu fui 3 vezes ao Marrocos.

Depois aqui eu comprei mais um Land Rover 88” do Milton Tesseroli e fiquei 2 anos morando nele procurando um lugar para morar aqui no Nordeste, tinha acabado de voltar da Itália e tinha decidido que o Brasil ainda era o melhor lugar para eu ficar.

De todos os lugares que você já conheceu, qual deles você voltaria?

Depende, para retornar seria o Sahara, ficou faltando muita coisa, naquela época não tinha gps e viajar na bússola da muita insegurança porque “lá é onde o menino chora e a mãe não vê”. Sou fascinado por desertos, gostaria de voltar para o deserto. Agora tá complicado voltar para lá! Gosto de morar perto do mar mas para passear sem dúvida o deserto.

Deserto da Mauritânia 1975

Nesses anos todos de viajante quais foram os seus aprendizados?

A maioria das pessoas trabalham, junta dinheiro, fazem um projeto de viagem, concretiza, depois volta para se capitalizar. Eu não tenho nada, não quis dispor o meu capital numa propriedade, até porque não sei quanto tempo morarei num lugar desse. Esse compromisso com a mobilidade fez com que eu abrisse mão de várias coisas que eu gostaria de ter e aprendesse uma coisa muito importante para minha vida lá na Califórnia em 1970 com os hippies que era a idéia do “Small is beautiful”, isso virou o brasão da minha família. E também outra expressão que marcou a minha vida que é “Voluntary Simplicity” a “simplicidade voluntária é chave para você realizar as suas viagens”. Por exemplo quando voltei ao Brasil após ter vendido tudo lá na Europa eu queria construir uma casa no Rio Grande do Norte eu estava com dinheiro na mão para comprar uma moto linda, resolvi comprar uma mais simples para exercer a simplicidade mas a vontade era de ter uma mais cara, mas com essa diferença de valores já dá para você viver mais alguns meses, então foi um esforço “zen” de não ceder a tentação.

“A simplicidade voluntária é chave para você realizar as suas viagens”

Wild Camp na Espanha 1974

Outra vez sai dos EUA com minha namorada, viemos de Seattle até o Rio de Janeiro de ônibus, saquei U$ 10mil passei a ferro e guardei no cinto com zíper. 3 meses de viagem dormindo em pensões de U$2,00/diária e com US 10mil no bolso, exercer o auto controle, entendo que isso seja mais importante do que meditar.

Dois livros que mais me influenciaram foram “Sidarta” do Hermann Hesse e o “Walden” do Thoreau eles me trouxeram essa ideia de que a vida passa por um monte de coisa, por isso tive 30 profissões.

Você resolveu ir para lugares inóspitos numa época sem GPS hoje em dia como você enxerga o auxilio da tecnologia?

Quando surgiu o GPS vários amigos não queriam usar, eu adoro GPS uso muito para calcular distâncias, ele nos dá muita segurança.

Inclusive quando eu estive no Sahara pela primeira vez em 1974, morreu um casal de Alemães com duas crianças que estavam atravessando o Sahara, num Range Rover e eles atolaram e se falava muito isso na Argélia, tinham acabado de ser resgatados e uma das coisas que a policia identificou era que eles não estavam usando a reduzida na areia fofa. Então o pior problema é a burrice pois até com GPS ele vai fazer coisa errada e o cara “safo” consegue se resolver até sem GPS. Na Amazônia quando morei num Barco que fui restaurar para o meu companheiro de Camel Carlos Probst eu usava as aero fotografias do projeto RADAM ia navegando marcando por onde eu entrava. Ultlizava a bússola e a fotografia aérea para marcar o caminho. Então o GPS veio para nos deixar menos ansioso, porém não pode ficar escravo dele.

Qual o conselho para quem quer cair na estrada?

Vai!!! Se você quiser arrumar problema você vai ter vários, por exemplo nunca tive seguro de carro, doença, nunca tive. Quando você não tem seguro você tem que ser muito mais responsável e ter sorte também! O medo também é importante ele é o fusível para você não fazer besteira.

 

Sobre Camel Trophy, como ele surgiu na sua vida?

Eu sabia antes de tudo que aquilo era uma promoção comercial, era um grande anúncio onde ao invés de contratar modelos profissionais optaram por pessoas normais para fazer tudo aquilo. Eu sabia porque já tinha tentado entrar numa edição na França quando eu morava na Europa e na Inglaterra e por não ser nacional eu não pude entrar, então eu já sabia o que era o Camel Trophy, um grande evento organizado que não podia dar errado, não aceitavam pessoas com menos de 25 anos.

O Defender 90 da equipe brasileiro em Bornéu 1985

Então quando chegou no Brasil eu e mais 21mil brasileiros fizemos a inscrição. Eu me considerava preparado mesmo acima do peso na época e com mais idade, eu fui o mais velho participante de todas as etapas entrei com Camel Trophy com 38 anos!

Andreas Bender, idealizador do Camel Trophy e suas “tradicionais havaianas” Foto: Claudio Larangeira

Acabei entrando também porque o Andreas Bender, criador do Camel Trophy simpatizou comigo e com o Carlos Probst que é alemão, e pelo fato de que queríamos fazer esse “passeio de graça”. A imprensa acabou brigando com a gente porque estávamos levando na brincadeira. No livro eu conto que nós levamos limão liofilizado para fazer caipirinhas, cachaça escondida, fomos para nos divertir, nós sabíamos que íamos perder. O time alemão tinha mandado vários Land Rovers para o Kenia e toda semana a equipe ia para lá treinar, o time holandês criou uma pista de treinos e nós aqui fazendo as seletivas num Jeep Willys caindo aos pedaços para treinar, nós não tínhamos chances nenhuma de ganhar a prova então fomos nos divertir!

O Andreas Bender queria pessoas agradáveis nas competições, ele percebeu nas provas em grupo que nós (Eu e o Probst) não queríamos liderar e sim sair da situação e isso foi o que fez eles nos aceitassem. Eu tenho certeza que nós só fomos porque ele simpatizou com a gente.

Nas seletivas nacionais com o Jeep Willys

Então, de certa forma, o prêmio que vocês ganharam o “Team Spirit Awards” teve a ver com tudo isso, foi um reconhecimento de todos?

Sim, porque nas edições anteriores não teve essa premiação e o Andreas percebeu que havia uma competitividade exacerbada, brutal, violenta, os caras queriam ganhar a qualquer custo, teve equipe, por exemplo que nas “special tasks” (provas especiais) que tinha que subir um morro eles tiravam as bagagens do bagageiro para o carro ficar mais leve e depois subia pelo mato com a bagagem e eles viam e perceberam que, se não criassem um troféu alternativo, aquilo ia virar uma F1. E o objetivo não era esse e sim fazer uma expedição juntos se ajudando, se divertindo e assim criaram o “ Team Spirit Awards”. Outro exemplo, quando nós capotamos os Holandeses e Alemães se recusaram a guinchar a gente porque poderia quebrar o guincho ai vieram os latinos a nos ajudar e isso era visível. O Team Spirit Awards era uma votação dos participantes e da produção, toda equipe votava e foi nesse que ganhamos!!

Carlos Probst e Tito Rosemberg ganhadores do “Team Spirit Awards” em Bornéu 1985 Foto: Claudio Larangeira

Como era conviver com tanta gente “qualificada” para resolver os problemas ao mesmo tempo?

Isso era muito complicado, pois eram pessoas muito competitivas e com um ego gigantesco, na hora de fazer uma ponte, por exemplo, apareciam várias soluções boas, entretanto, era exasperante e ninguém chegava a uma conclusão, todos tinham uma solução e todas funcionavam! O problema era que aquelas pessoas não se decidiam,  elas tinham que ter humildade em escolher uma das alternativas e ficar nela até o final.

Você acha que hoje em dia com esse negócio do politicamente correto seria possível um reedição do Camel Trophy?

A princípio não, pois quem patrocinava era uma empresa de cigarro e isso já está proibido, até a F1 sofreu com isso. Então quem acabou com o Camel Trophy foi a legislação de publicidade vinculada a cigarro . Eles criaram o Camel Trophy para fazer um documentário e poder mostrar em diversos países, quando passou a ser proibido “exibir” a marca dos cigarros acabou o Camel Trophy. Nos EUA tinha o Marlboro Adventure, eles foram os primeiros a unir caiaques, cavalos, e acabou também!

O evento era politicamente “incorreto” e tornou-se assim também pois era um esporte com carros. O Camel Trophy de 1989 no Brasil, foi proibido pelo IBAMA e a Camel me contratou, pois sou o fundador junto com o Gabeira do PV (Partido Verde) para intervir e liberar a prova, era uma corrida contra o tempo depois de todo o levantamento faltava um mês para o inicio da prova e veio a proibição do IBAMA. Consegui liberar através de uma estratagema muito boa, eu peguei todos os meus conhecidos ecologistas radicais pois eles diziam que a passagem dos carros pela Cuiabá – Santarém iria causar uma devastação da floresta Amazônica. Entretanto eu consegui provar que os motores usados eram os mais ecológicos e nem tinham no Brasil e aqueles caminhões Mercedes que rodavam por lá poluíam ao equivalente a 34 Defenders rodando juntos! Fiz uma apostila a todos os 20 ecologistas mais importantes no Brasil esclarecendo todas as dúvidas e todos concordaram de que a proibição do IBAMA era para desviar atenção de que a Amazônia estava sendo destruída pelos madeireiros, garimpeiros e o governo não fazia nada, então era publicidade para desviar o foco da verdadeira devastação.

Camel Trophy 1989 Foto: Claudio Larangeira

É verdade que vocês levaram um som para instalar no Defender durante a competição em Bornéu? O que vocês ouviam?

Sim, quem levou foi o Carlos Probst ele sabia fazer todas as conexões, nós prendemos o rádio na estrutura interior do Defender e ainda e levamos as caixas de som. Nós ouvíamos muito Eric Clapton, UB-40 e Bob Marley.

E você ainda tem contato com o Carlos?

Sim, hoje está morando em Manaus. Ele era um economista que tinha uma rede de pizzas no Rio de Janeiro, largou tudo e foi ser promotor de aventuras, ficou muito famoso na Alemanha, preparou duas Toyotas e levava as pessoas para um roteiro pela América do Sul, incluindo um passeio de barco pela Amazônia, as pessoas gostavam tanto desse passeio de barco que ele passou a fazer só isso. Hoje ele tem a maior empresa de turismo fluvial no rio Amazonas, chamada Amazon Clipper

Continuamos super amigos tanto que agora em maio estarei saindo aqui de Pipa/RN para me encontrar com ele, ficarei um mês no barco com ele. Um dos barcos “boiadeiro” fui eu que fiz.

 

O que o Camel Trophy significou para você?

Mais uma aventura da vida, mais uma coisa que o destino me trouxe e como é ruim viajar com outras pessoas (risos).

Como surgiu a idéia do livro “Aventuras no Camel Trophy – Dois brasileiros no inferno de Bornéu”?

Quando nós retornamos da viagem todos nos perguntavam como tinha sido a experiência e ai veio a idéia do livro. Fizemos o livro e começamos a procurar uma editora, 21 editoras recusaram o livro argumentando que o Jeep Willys tinha parado de ser fabricado, o Brasil estava sendo todo asfaltado e o 4×4 iria terminar, não teria futuro! O livro foi recusado porque, segundo eles, não havia interesse pelo 4×4 no Brasil, que falta de tino deles.

O livro vendeu 9 edições, 40mil exemplares, esse livro e o do Amir Klink foram os livros que evitaram que a editora José Olympio falisse naquele ano.

Antes disso eu e o Carlos diante da recusa das editoras de publicar resolvemos nós mesmos produzir e imprimir o livro numa primeira edição caseira que foi comprado pela IBM para ser distribuído numa conferência onde íamos fazer uma palestra, essa compra viabilizou a impressão do livro.

O livro só foi publicado pela José Olympio porque um cara no dia seguinte da palestra veio dizer que o livro era ótimo e perguntou se o livro vendia muito, dissemos que não e que a partir daquele momento nos iríamos vender por reembolso postal. Ele não concordou dizendo que deveríamos vender por uma editora…”bom dia meu nome é Robeli Libero, sou o presidente da IBM” vou conseguir uma editora para vocês! Uma semana depois ele me ligou dizendo que o contrato estava pronto para ser assinado na José Olympio. A editora então nos exigiu que tirássemos essa edição “primitiva” que fizemos e iriam lançar uma edição limpa, bonita, diagramada, bacana e ai foi lançada como 2a edição.

Atualmente Tito Rosemberg esta morando no Rio Grande do Norte e já planeja outras viagens sobre as 4 rodas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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